"Todos
na família sabiam que o modelo que posou para a efígie da Taça Jules Rimet de Futebol era a minha
querida tia Ingrid B, de beleza estonteante. Mesmo assim silenciamos ante o fato dela ter sido derretida por ladrões, quando estava na posse de vocês, brasileiros !
Foi quando Brzil percebeu que uma lágrima, só uma, teimava em sair do olho de Björn, deixando claro o quanto ele considerava a Tia Ingrid B. Mas Björn se recompôs; e reiniciou uma conversação quase normal com Brzil: " A propósito, como é o seu nome; qual é a sua graça, Senhor ? "
Foi quando Brzil percebeu que uma lágrima, só uma, teimava em sair do olho de Björn, deixando claro o quanto ele considerava a Tia Ingrid B. Mas Björn se recompôs; e reiniciou uma conversação quase normal com Brzil: " A propósito, como é o seu nome; qual é a sua graça, Senhor ? "
"Meu nome de família é Alencar. Ildefonso de Alencar. O Ildefonso veio em
razão de que minha região estava dentro da área do Tratado de Santo Ildefonso,
de 1777. Creio que se fosse aqui na Europa, eu me chamaria Alencar de
Ildefonso. Ou, "o Alencar que nasceu na região do Tratado de Santo
Ildefonso". Só que desde que cheguei à Suécia que me chamam de Brzil.
Que é a pronúncia daqui para o nome do meu país".
"Se
o senhor me permitir, usarei o "Brzil", que facilitará a nossa comunicação. Isto posto, devo dizer-lhe, Mr. Brzil, que nem os troféus
amealhados em todas as guerras; nem todos os obeliscos trazidos de longe para
a Europa; nem as estátuas gregas, as esculturas incas por aqui
aportadas; alcançaram a glória contida na conquista definitiva pelo seu país da Taça Jules Rimet. Mesmo assim, repito, ela foi derretida por ladrões que
o seu país não conseguiu deter; ainda que ali estivesse a lindíssima face da tia
Ingrid B; bem como seu belo corpo vestido de seda finíssima ! "
Nesse
momento Brzil notou que Björn B nutria um sentimento estranho por sua tia Ingrid; e pensou: "tudo bem que a Copa do Mundo até que poderia ser o mais
significativo dos troféus esportivos da era moderna.
Mas daí a compará-lo à estátua da Vitória, que conheci no Louvre ... aos
obeliscos egípcios que pontuam mundo afora ... até aí vai um enorme exagero
do Dr. Björn B."
Continuou
Björn: "Como eu vinha dizendo-lhe, o problema foi o derretimento do pequeno troféu; eis que a importância das obras primas está na soma dos olhares de quem, através dos
tempos, enxergou nela a perfeição materializada. Mr. Brzil, a importância está nos que
quiseram possuir para sempre a Taça Jules Rimet dentro de suas fronteiras,
como propriedade do seu país; isto tudo foi o que fez da verdadeira Copa do Mundo o que ela
foi um dia: o objeto mais cobiçado dentre todos os da Terra. E lembrar que o seu país
conquistou a glória de poder detê-la para sempre ... para sempre até que
fosse derretida por ladrões. Assim, o que existe dentro de mim não é um
preconceito inexplicável contra os brasileiros. E veja que, além do motivo falado; deve existir repulsa nos jovens brasileiros, ao perceberem o vazio que deve existir no salão onde hão de
guardar as lembranças das suas glórias nacionais: falta-lhes algo muito maior
do que qualquer Premio Nobel: falta-lhes a Taça Jules Rimet. Sou, como muitos suecos, um
esportista; e posso garantir-lhe que o fato de o seu País não ter sabido
cuidar da pequena estátua em ouro de Tia Ingrid consiste - a meu ver - num
motivo justo para que vocês continuem recebendo da minha pessoa o tratamento
que tiveram até aqui. Bom, o meu tempo para o
senhor esgotou-se. Tenha um bom dia, Sr. Brzil !", disse isto
estendendo a mão espalmada para a despedida .
Brzil,
naquele lapso de tempo percebeu qual era o sentimento que o Dr. B possuía pela
tia. Sim, "Björn deveria ter uma fixação infantil, ou - talvez pior -
infanto-juvenil ... freudiana ... sei lá ". Pensou.
"Sei que,
com tão pouco tempo, nada poderei fazer pela relação psicótica - paranoica,
sei lá ... - que o Dr. Björn B tem pela sua tia ..." . Pensou Brzil,
sabendo que teria que responder-lhe algo imediatamente.
"Um
momento Mr. Björn B. Só mais um momento por favor ! Sinto muito por tudo isto, principalmente pela importância da Taça para a sua prezada família: mas pode
ser que nem tudo esteja perdido: devo informar-lhe que - por uma feliz
providência - foi tirado do molde uma fidelíssima cópia em gesso.
Repito, uma cópia extremamente exata do maravilhoso troféu. E a Kodak, com o
mais nobre dos objetivos, presenteou-nos; presenteou o Brasil com tal réplica.
Até a gradação do ouro contido na estatueta é a mesma do hipotético
original: dezoito quilates."
"Impossível isto acontecer Mr. Brzil. E tal impossibilidade não chega a ser
decorrente de eventual inexatidão da cópia por você mencionada. Ela pode ser
perfeita, mas não estão ali coladas as emoções; aqueles olhares boquiabertos
a mirar-lhe. O que falta-lhe é a "originalidade pelo menos ficta".
Ou o senhor acha que na Gioconda existe hoje uma, uma só pincelada de tinta
juntada à tela por Leonardo Da Vinci ? Posso garantir-lhe que não ! É óbvio
que, de tinta pintada pelo Mestre, de há muito nada mais existe ali, tal é a
inexorabilidade que o tempo exerce na destruição de uma obra qualquer. Mas, se
não é verdadeira a originalidade ali impressa ; a originalidade ficta permanece
íntegra avalizando estar aquela obra fresca como na primeira hora de toda a sua
vida . É por isto que sua iconicidade permanece intocada. O que importa é que
todos pensem, acreditem pelos tempos afora que tudo o que está na tela foi
feito pelo gênio. Mr. Brzil, isto é o que foi diluído no derretimento da
Copa Jules Rimet: a originalidade que só está no ícone - nele e em nada mais.
O que os brasileiros - ou mesmo os estrangeiros que forem ao Rio de Janeiro
poderão admirar é nada mais do que uma cópia. Uma Taça Jules Rimet cover.
Também de puro ouro; mas cover. "
Björn foi
em frente, na intenção de livrar-se de Ildefonso: "Mr. Brzil, reitero agora o "bom dia" que lhe ofereci há pouco: Bom
dia Mr. Brzil ! " Estendeu a mão que foi apertada pelo brasileiro, que
respondeu quase misteriosamente .
"Bom dia, Mr. Björn B. Obrigado por não ter dito adeus ! "
Com a
cabeça zunindo, Brzil escolheu ir andando pela rua, até o Hotel Central mesmo
não sabendo se seu coração aguentaria gerar - no gelo todo que era aquela rua -
a energia necessária para manter-lhe vivo. Mas de uma coisa estava certo:
caso sobrevivesse agora, ele continuaria na luta para levar para o Brasil - se não um premio Nobel - pelo menos os motivos do tratamento ignóbil que os suecos vinham dedicando ao Brasil.
Não foi preciso andar muito tempo para perceber que, de forma incontrolada, contorcia-se de frio, para logo depois perder os sentidos.
Não foi preciso andar muito tempo para perceber que, de forma incontrolada, contorcia-se de frio, para logo depois perder os sentidos.
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