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sábado, 28 de junho de 2014

O premio - 46

Subiu os degraus do Scania e abancou-se na cabina. No começo quase não podia comunicar-se com Karlson; mas, com as poucas palavras que lhes eram comuns, conseguiram dizer o essencial. Na beira da estrada, que finalmente o levaria à Oslo, a vegetação era principalmente de coníferas, com folhas verde escuro.    

Quanto à Brzil , ele apressava-se a pagar as tarifas do pedágio , como prometera à Johan Sven . 

As seis horas previstas para a viagem custavam a passar. Sem saber bem porque, o pensamento de Brzil foi para algo que sempre o instigara: a renúncia. Sim, o ato de renunciar a algo desejado. Ora, ainda que nada de profundo tivesse lido sobre o que fosse a renúncia , era evidente que o termo compreendia o abandono de um sonho, de um plano, de um amor, enfim - de algo que o sujeito queria muito que acontecesse .

Daí a simular a ideia de abandonar os seus planos na Escandinávia foi um pulo. " E se eu deixasse isto para lá ? Sim, porque se esta luta pelo Nobel é a minha tentativa de realizar um grande feito; renunciar a grandeza deste projeto só daria mais e mais importância à minha hipotética renúncia.  Sim ; porque ,  parece ser óbvio que quanto maior o sonho , quanto maior a paixão , quanto maior a encanação ... mais valorosa será a renúncia . "

O caminhão atravessava as planícies em boa velocidade; com Ildefonso meditando profundamente sobre a possibilidade de abandonar o plano de descobrir o porquê da falta das premiações ao Brasil  ...

A  resposta  a tal indagação  - " ... em nome de que eu abandonaria agora o meu sonho ? "      " Bela pergunta ." Pensou; para logo depois responder-se: "Renunciar  ...  talvez, em nome de evitar a  vergonha de sair expulso de um país do primeiro mundo; o que certamente se espalharia pelos quatro ventos; e, principalmente, para os serviços secretos do mundo todo . "

"Renunciar ... para deixar de ser visto como um lunático" ... que era  como vinha sendo olhado por todos nos últimos meses. Pouco a pouco aqueles rabos de olho, os tais olhares de soslaio, iam  minando a resistência que sempre afirmara: de não dar a mínima importância de ser apontado como um maluco. Só que chegava uma hora que isto começava a pesar desproporcionalmente em suas costas. "

Enquanto pensava isto, Karl foi fechado por um automóvel ...  "certamente dirigido por um dos muitos espíritos de porco que infestam as estradas pelo mundo afora". Aproveitou para trocar umas poucas palavras com Karl, para logo depois entregar-se de novo às próprias encucações. Ainda bem que a lucidez  que Brizl pensava dispor  ( ainda que isto fosse por muitos maliciosamente contestado )  já  fora demonstrada quando ao  ter assumido o time  infanto/juvenil do IFK Varnamo na oitava colocação,  trazendo-o para sagrar-se  lídimo campeão da temporada de 2014 . Mas, ainda que ele enfatizasse mentalmente a conquista esportiva como  prova de que ele não era louco,  o seu alter-ego  exigia que  aceitasse como possível  - provável mesmo -  que todas as pessoas pelo menos  tivessem -  como as  moedas - :  duas caras , uma  louca , e a outra certa.  

Embora não se achasse - nem de longe - um maluco ( e sorriu ao pensar assim : "mas qual o maluco que se acha maluco, Meu Deus ? ") ; e ,  menos ainda aquilo que chamam agora de bipolar; ainda assim ele, para ser verdadeiro como queria ,  não  tirava  a razão dos que lhe chamavam de biruta : sim, ele aos olhos dos outros, poderia ser tido como louco  por assumir uma causa - para dizer o mínimo - estranhável :   tentar comprovar que a escolha do Prêmio Nobel não é um acontecimento isento de esquemas.

Sacudiu-se rapidamente para os lados, assim como os cachorros fazem quando saem da chuva.  A sacudida serviu  para tirar da cabeça os pensamentos negativos ; ao mesmo tempo que exclamava :  "  Sarava, mi zifio ! "  repetindo  o dito que sua mãe e tias que ,  com bom humor , costumavam repetir  o pregão dos escravos africanos  trazidos para o Brasil , e cuja tradução livre poderia ser : " Me salve disto, minha divindade "   

Neste momento notou que a estrada , que tinha um traçado bem regular voltou-se abruptamente para a direita . Na verdade eles entraram no enorme posto de beira do caminho ,  em que Karlson costumava almoçar .

Um abraço ao Iraque .

Prezados Leitores !

Constatei que este blog recebeu a visita de um leitor do Iraque .  Seguem aqui meus votos de que meus escritos levem um pouquinho de diversão a alguém neste momento de aflição que vive àquela histórica região do planeta .

Amigo , um abraço !

José Amaral

quinta-feira, 26 de junho de 2014

O premio - 45

Chegou o seu dia na Academia Sueca de Ciências. Brzil foi até lá de taxi, sendo recebido à porta pelo doutor Björn B, que acompanhou-o até o interior da Casa; quanto ao alfaiate, ele já deixara no vestiário as vestes talares a serem usadas por Ildefonso que, na hora prevista, entrou  no salão acompanhado de Björn. Feita uma breve apresentação do convidado;  Brzil começou por olhar detidamente as estantes de livros centenários que circundavam o salão, enfatizando a circunstância do lugar. Os onze membros da Turma, indicada pela alta direção do Nobel, já aguardavam-lhe sentados em seus lugares. Depois do seu anúncio e estando presentes todos os componentes da "Alta Comissão para Análise dos Argumentos do Sr. Ildefonso de Alencar"; começou a defesa oral do brasileiro.  Preparado ele estava, desde o Brasil, vinha organizando dois tipos de defesas orais. A primeira era o que chamava de "via plena", pela qual faria uma defesa extensiva de suas teses. A outra só aconteceria se percebesse que a plateia não tinha condições, ou em verdade não queria, acompanhar uma dissertação extensa. Ao perceber que a maioria dos Conselheiros mostrava  desinteresse, decidiu pelo que já tinha chamado de "via rápida", sintética mesmo, mas que apesar de resumida, não deixava escapar nada da essência da obra de cada um dos representados.

Começou comparando  tacitamente  o trabalho premiado no  Nobel de Economia do ano de 1993 , com  o que - a seu ver -  deveria ter ganhado ,  afirmando ser uma " desconsideração incompreensível o prêmio não ter ido para os economistas que criaram o plano econômico que estabilizou a economia brasileira . Aquele que ,   segundo Ildefonso  -  "  resolveu o problema , que foi para o Brasil, a maior inflação da história humana". E prosseguiu : " Doutores,  desconheço o resultado futuro destas minhas solicitações , ou mesmo se elas vão resultar em algo de bom , de justo .  Mas ; ainda que só venha a restar desta minha oração os sons de minha voz cravados nestas paredes, a clamar por justiça aos criadores da verdadeira moeda brasileira : André ,  Clovis ,Edmar , Gustavo , Pedro , Persio  e Winston ;  mesmo  assim  peço-lhes  que reflitam sobre a feliz possibilidade de ainda  estarmos no  tempo natural ,  dentro das estipulações do Doutor Alfred Nobel , de que somente pessoas vivas  recebessem a láurea.  Convenhamos que, se um desagravo tardio  é  lamentável, o que jamais chega  é muito pior do que  todas as afrontas juntas . Sendo assim, sugiro que  Vossas Excelências, a qualquer tempo, desde que a tempo ,  busquem a  reparação do lamentável lapso: aproveitem a sorte de todos os honoráveis estarem aptos - e muito aptos - a  cumprir a estipulação do fundador ,  para conferir-lhes a honra maior outorgada por  suas pátrias !  . Mãos a obra , Doutores ! "

Logo a seguir passou a examinar as  obras  dos diversos literatos anteriormente mencionados por ele à Björn B.

Foi neste instante que ouviu o ronco de um dos membros da mesa. Até agora Brzil tem certeza de que o homem não dormia, só roncava para diminuí-lo, para depreciá-lo. Mas ele não se intimidou. Foi em frente.  E estava tão atento que ouviu claramente o arroto de um dos examinadores. Mas, "graças a Deus" ( pensou )  que contrapondo-se à grosseria, notou que tinham dois ouvintes  que torciam por ele. O primeiro era o doutor Björn B, que com meneios de cabeça aprovava tudo o que o seu amigo brasileiro dizia.  O outro era o doutor Dag Hammar que, totalmente voltado para o brasileiro,  acompanhava toda a fala, chegando a -  de vez em quando - conferir  as  citações de Brzil  com os textos que Ildefonso trouxera do Brasil para a Academia . Assim, Brzil falava como aquele músico que, ao tocar para uma plateia desatenta, ou mesmo hostil, descobre no auditório uma pessoa curtindo a sua arte; passando a apresentar-se tão somente para o ouvinte que o reconhece, suprimindo do cérebro as pessoas que lhe são adversárias .

" ..  pelo menos estou conseguindo ser ouvido por alguém. "  Festejava  Brzil .    

Ainda que sua defesa  não estivesse sendo um sucesso de público  -  alguns dormiam solenemente - Brzil continuou firme, e sempre obstinado. A seguir, falou longamente sobre os escritores brasileiros que, a seu entender, foram esquecidos pela premiação do Nobel .

Foi quando um dos Conselheiros aparteou :

"Apesar de estarmos muito honrados com vossa presença, Doutor Ildefonso;  apesar disto, devo informá-lo que a escolha do prêmio Nobel é feita por um comitê independente, denominado de "Comitê do Nobel"; ou seja, quase inexiste responsabilidade nossa, sobre os resultados, eis que a pré-eleição é feita - como eu disse - por um comitê independente . "

"Excelência, informo também conhecer o iter da premiação, mas  posso dar-lhe a minha certeza de que o fato do raio não cair duas vezes no mesmo lugar torna  lógico que ele deva - em algum tempo bem razoável; eu diria, num tempo relativo -  cair, ainda que aleatoriamente, pelo menos uma vez em todos os rincões. Mormente porque não é pequena a quantidade de raios que cai anualmente . O que venho aqui instar-lhes, é que já é passada a hora de Vossas Excelências explicarem por quê vosso raio nunca caiu no Brasil. Senhores, pelo que me é dado a saber, as triagens são finalizadas a cada mês de Agosto, gerando uma lista dos candidatos que é submetida ao voto do Comitê do Nobel, tendo este a missão de apontar os vencedores . Donde se pode concluir que , é  do Comitê do Nobel  o  condão de apontar o lídimo vencedor. Por isto,  prepondera sim - Excelências -  a vontade desta Casa na escolha do Prêmio Nobel. "

Neste momento o conselheiro que dormia, acordou: " Pelo que eu ouvi , o senhor esqueceu do Paulo Coelho . "

"Não foi esquecimento, Ilustre Doutor. É que o rol aqui trazido originou-se em um sorteio feito pela minha própria pessoa com a finalidade de limitar  ao razoável a imensa relação de  notáveis , selecionados por mim , como merecedores do prêmio."

"Veja, então, que o seu raio nunca acertou o Paulo Coelho . "

Neste momento, como que se contrapondo ao que ouvira , Dag  Hammar, aquele conselheiro atento,  levantou a voz . 

"Preclaro Dr. Alencar, vou formular uma pergunta ; a qual , desde já aviso , não está dentre os assuntos da pauta proposta por Vossa Excelência ... "

" O que este cara foi descobrir de mim , meu Deus ?"  ;   mas ficou calado, esperançoso de que o que viesse de Dag fosse algo sem maior importância .

"Doutor Alencar; o senhor conhece o livro " Obrigado por não ter dito adeus ? ". Foi quando todos os Conselheiros acordaram, surpreendidos que foram  pelo inusitado da pergunta. E levantaram os olhos diretamente para Brzil.  Mas, entre os que mais se admiraram foi Björn, que se voltou todo para o amigo com  um golpe seco de pescoço; mas logo aquietando-se, quase que enrodilhando-se no assento, para exteriorizar que queria  permanecer calado para assim expressar sua  falsa tranquilidade quanto ao resultado da inquisição .

Quanto  a Ildefonso,  ele permaneceu calado , olhando para o chão próximo  e sem responder .
 
"Ilustre Convidado, sou obrigado a repetir minha pergunta ... "  disse o conselheiro, passando a levantar a voz, e marcando os esses e erres de sua fala:  "...  o senhor conhece o livro " "Obrigado por não ter dito adeus"  ? "

E Brzil ,  com as feições hígidas,  respondeu :  " Desculpe-me ,  Excelência , mas este tema não está dentre os que eu me propus  a dissertar ... "

"Talvez infelizmente, mas eu necessito agora lembrar-lhe de uma das particularidades do nosso regulamento é que todo aquele que pede para ser ouvido por esta Casa deve estar preparado para responder a todas as questões  - ainda que não diretamente ligadas ao tema principal - desde que não sejam de cunho pessoal possam, ser livremente  perguntadas por quaisquer dos Conselheiros. Enfim, tudo que possa conduzir-nos a avaliar o que for necessário, e na maior amplitude possível, para o conhecimento não só do que é reclamado; mas, também sobre a que vem o reclamante. É por assim estar no artigo 128 do regulamento criado pelo próprio fundador  desta Casa; o Ilustríssimo Doutor Alfred Nobel. Por isso, e com as vênias de estilo, pergunto-lhe pela terceira vez : " O senhor conhece o livro  Obrigado por não ter dito adeus ? "  

A pequena plateia estava paralisada.  "Qual importância poderia ter aquele livro dentre os muitos milhares de originais já trazido às Comissões do Nobel de Literatura nestes cem anos ? " 

Brzil, naquele momento, só fazia pensar. Na verdade procurava ganhar tempo, para achar uma saída. " Creio que este velho quer que eu repita São Pedro. Quer que eu negue por três vezes a resposta pela qual anseia. Não vou chegar a tanto ... vou contra-atacar com uma negativa geral ...  "

E quebrou o seu silêncio: "Mas isto foi a tanto tempo ... lembro-me que foi na época da guerra das Malvinas, eu era muito jovem ... eu tinha só vinte e dois anos, mas lembro que já era uma pessoa preocupada com a posteridade ... "

" Agradeço por ter confirmado ser o  autor  de  " Obrigado por não ter dito adeus", Senhor Ildefonso Alencar.  "

"Sim  ... Excelência ... fui eu quem o escreveu ... Ilustre Conselheiro ...  Fiz pretendendo diminuir  minha culpa , por não ter  tido um filho - e por já saber que nunca viria a tê-lo ;  e também porque  - apesar de ter plantado algumas árvores - elas não chegaram a prosperar. Talvez  por não as ter regado ou porque, 
tampouco, pus o adubo necessário, a tempo de pegarem. O certo é que todas elas acabaram morrendo. Com o livro pretendi diminuir meu remorso. Foi por isto que o escrevi . "  

Seu devaneio foi quebrado pela volta da voz gutural do bom conselheiro: " Pois saiba que eu fazia parte da Comissão de escolha em 1983 -  ano em que seu livro foi indicado ao Nobel; e o senhor teve em mim um dos seus poucos votos. Permita-me uma pergunta, para mim esclarecedora do seu íntimo, Doutor Ildefonso. E o  apotegma ?   Sim qual era o apotegma com que abriu sua importante obra ? "

Brzil gelou, ao mesmo tempo em que se regozijava por ter feito o retiro espiritual no Zu Lai, e por ter praticado incansavelmente nos quartos  dos hotéis onde dormia  agora o "método de limitação forçada de exteriorização de sentimentos emotivos" .  Sim !  Os céus fariam com que  conseguisse permanecer altivo ,  superior aos seus inquisidores ,  afinal - ali ele era o Brasil. "Sem tremer ou chorar seu  ... seu ... seu Ildefonso! E com cara alegre, seu bosta ! "  falou consigo mesmo .

Tais pensamentos serviram, pontualmente, para reforçar a autoestima de Brzil ;  descontraindo suas  feições. Mas foi  por pouco tempo; voltando  logo a falar tão baixo que alguns conselheiros tiveram que botar  as mãos em concha nos ouvidos na tentativa de decifrarem o que dizia .

" Sou muito grato pelo seu voto para  que eu viesse a vencer o Nobel , doutor Dag !  Lembro-me ,  ainda, o que o meu personagem afirmava sobre a ética :  Que segundo ele ;  a partir de algum momento histórico  futuro e próximo - e estamos agora no ano de 1972  ,  o termo ética não mais poderia ser expressado  em sua  forma  até  então conhecida como natural .  Ou seja ,  dissociada  de um complemento  para que , então ,  pudesse  levar uma ideia  possível de ser entendida pelo receptor dela ... "

"É isto ... é isto mesmo !  ... lembro-me que seu personagem dava exemplos do termo ética, que - segundo ele - a partir de um tempo que aconteceria brevemente, só poderia ser entendido quando associado a um complemento, um outro significante, algo como" ética relativa "  ...     "ética possível ". Uma que não esqueci era a ética  boomerang; que seria aquela que depois de um breve voo volta-se  contra os interesse do  praticante. Mas o que o personagem queria mesmo marcar é que tal era a dureza desses tempos que de agora em diante uma parte só poderia ser ética na medida em que o outro lado  também fosse; sem o que não conseguiria sobreviver em qualquer ambiente, fosse ele o de um pequeno nicho, ou o do universo inteiro."  Festejou o Conselheiro Dag .  

Foi quando o próprio Dag Hammar, interrompeu  a sua  explanação, para continuar batendo na mesma tecla:

"Doutor Ildefonso é comum, quando escolhemos um apotegma para a abertura de uma nova obra ... é  comum  que o saibamos de cor. Isto posto, solicito-lhe que  - se  souber de cor -  declame-o para esta Comissão as breves palavras de abertura de seu livro ? "

Brzil pensou: " E esta agora ?   Onde este anão de jardim quer chegar ? "   Mas seu pensamento foi logo interrompido por Dag Hammar :

"Por favor, Doutor Ildefonso, não nos faça esperar. Aproveito para avisar-lhe de que não deixar perguntas sem respostas pesará a seu favor em todos os momentos que, estou certo, estão por vir. Declame o apotegma, Doutor  Ildefonso !!  " disse, levantando a voz .

" ... Enquanto caminhava pelo deserto, um homem encontrou uma mulher solitária, parada, de olhos voltados para o chão , e lhe perguntou: " Quem é você ? "   E ela: " A Verdade ".  " E por que motivo deixou a cidade e está morando no deserto ? ", tornou ele .  Ela respondeu: " É que , em tempos passados, a mentira era companheira de poucas pessoas, mas hoje, sempre que você quer falar ou ouvir alguma coisa , ela está com todos os homens . "

Trata-se de uma fábula de Esopo -  " O viandante e a Verdade " que muito me impressionou , Doutor Dag Hammar . "

" E Sua  Excelência  teria algo a mais a nos informar sobre o seu livro ?  "  

" Também recordo-me que o meu personagem principal , de Obrigado por não ter dito adeus, negava a possibilidade de que -  em qualquer tempo -  alguém pudesse segurar duas bandeiras  que contivessem ideias antagônicas, conflitantes mesmo; e, ainda assim, ser considerada uma pessoa proba . "

Neste momento pigarreou, para logo depois, ainda falando quase que imperceptivelmente, recompor-se : " Sim , mais uma vez confirmo que fui eu quem redigiu tal escrito. Mas, logo depois de publicá-lo arrependi-me por tal criação. E passei a tomar todas as providências para retira-lo de venda. Comprei , em todos  os pontos onde os encontrasse a venda, todos os exemplares. Sim, todos os que estavam em comércio. "

Neste ponto suas feições fecharam-se  mais , como se isto ainda fosse possível . 

"Só restaram - pelo que sei - os de um sebo de Nova Iorque, porque o valor pedido pelo livreiro era alto demais para o meu bolso. "     

Dag aparteou :

"É isto !  É isto mesmo !   seu personagem dava o exemplo de que  o termo ética, dali para frente, só poderia vir adjetivado ,  ou com um aposto que permitisse, enfim, a possibilidade de sua compreensão, como  ética relativa, por exemplo. Ou melhor,  o que o senhor queria passar  é que, dali para frente, as pessoas só podiam ser éticas na razão direta do quão ético fosse o seu concorrente. "

Disse o Conselheiro Doutor, quase que festejando o fato de estar a pouco de decifrar a obra do brasileiro.  Mas foi ele, Ildefonso, quem voltou a falar.

"Sim, reitero que fui eu mesmo quem redigiu tal escrito ;  e , logo depois de publicá-lo me arrependi de tal criação. E tomei muitas providências para purgar meu erro, dentre elas a de excluir da internet todas as referências a tal manuscrito; a outra foi tentar recomprar os livros, por onde os encontrasse a venda.  Cegamente eu os recomprava  - para serem incinerados logo a seguir - . E com  grande satisfação queimei todos os exemplares que achei disponíveis e pude adquirir. Só não consegui os de um sebo de Nova Iorque, porque a quantia estava muito além de minhas possibilidades.  Talvez porque era um momento em que a moeda brasileira estava muito desvalorizada . Sei lá ...  "

Voltando-se para o Conselheiro Dag Hammar: " Aproveito para  confessar  , Ilustre Doutor  Hammar , que  eu teria uma grande  alegria  , inesquecível mesmo ,  caso o senhor aceitasse vender-me o exemplar que, penso, ainda está em seu poder. "

Dag respondeu com voz extremamente educada: " Doutor  Ildefonso , sinto muitíssimo , mas meu exemplar não está a venda.   Aproveito para informar-lhe  que eu ingressarei com o recurso cabível junto à Comissão do Nobel  para que sua obra seja reexaminada pela Academia. E quase concluo minhas manifestações  com mais uma pergunta que; -  como sempre -, o senhor responderá se quiser: " Qual o motivo do senhor renegar com tanta determinação a sua bela obra Obrigado por não ter dito adeus;  Doutor Alencar ? "  

Neste momento as faces de Brzil ruborizaram-se; para, então, com voz ainda menos audível, balbuciar: "É que ... é que ... em tal livro - na verdade uma quase ficção - eu relatei o envolvimento profundo do personagem principal com uma senhora ilustre da alta sociedade de um país escandinavo. Mas tal personagem, é claro que fictícia,  era casada . Com o passar do tempo , certas semelhanças foram aflorando ; e foram estas  mesmas  coincidências que  trouxeram-me remorsos que, só diminuem quando  eu consigo  retirar das livrarias mais exemplares do opúsculo , e - tão imediatamente quanto possível - queimá-los. De 3000  já queimei ...   "    neste momento pegou uma pequeníssima agenda negra do bolso ...  "sim, já queimei 2.973 exemplares . "Mas, desgraçadamente 27 ainda estão por aí, mundo afora, ainda que eu tenha jurado solenemente que resgataria.  Todos. "

" Quantos estão em Nova Iorque ,  doutor Ildefonso ? "

"Bom, até quando pude acompanhar , 18  estão no livreiro de lá . "

"E o senhor poderia pormenorizar  o motivo , provavelmente  o fator econômico  que o levou a não adquirir os quase últimos  18 exemplares fora de suas mãos;  e em poder  do livreiro americano ,  preclaro Doutor ? "

"Foi o meu olhar ... sim, foi pelo meu olhar que perdi a chance .. " 

Os conselheiros miraram-se como  se tivessem dizendo: " E essa agora ? "

Com a voz cada vez  menos intensa, Dag Hammar interferiu novamente: " O que poderia ter a ver o seu olhar com a impossibilidade de resgatar,  das mãos do livreiro , os 18 exemplares que ele detém, doutor  Ildefonso ? "

"Sim ,  ...  veja, quando voltei para o Brasil, restou  aquele espinho fincado em minha garganta: Por que o comerciante cobrou  o estratosférico preço de 439 dólares por exemplar , meu Deus ?   Por que ? "                       "  Por isso tive, tão prontamente quanto me foi possível, de  voltar à Nova Iorque: para perguntar-lhe sobre o motivo  do preço enlouquecido ;  "

"E daí Doutor  De  Alencar ??   O que o seu olhar tem a ver com tais 439 dólares por exemplar, homem de Deus ? ? " 
Atacou Dag Hammar , como se fosse uma caninana .

"Perguntei-lhe ... e ele me respondeu: "percebi que eras um novato ... senhor ...  porque, quando os meus clientes mais antigos -  os que já me conhecem - desejavam muito um determinado livro, tentavam enganar-me sobre seus mais profundos desejos ao misturarem o exemplar  ambicionado entre diversos outros exemplares que me apresentavam; estes, sem qualquer importância para tais compradores. Tudo isso  na tentativa de camuflar a compra,  impossibilitando-me de valorizar o livro na razão direta de suas necessidades. Sim ! queriam que eu confundisse qual, dentre tantos exemplares, seria aquele o seu real objeto de desejo. Daí eu ter tomado, dentre outras, a providência de proibir que pessoas entrassem com óculos de sol em minha loja. É que os  tais 
óculos de sol, impediam que eu percebesse os seus olhares. Andaram dizendo que esta teria sido uma medida ditatorial da minha parte, e talvez o fosse mesmo. Mas ela muito ajudou-me a que conseguisse - pelo brilho nos olhos - perceber qual era o livro ansiado; para - assim -  valoriza-lo na razão direta do interesse do comprador  ... tudo porque, quando chegava a vez do livro perseguido, seus olhos brilham muito mais intensamente do que para  os demais volumes  ...  . " E concluiu sua fala afirmando que, com o advento dos e.books ele, o mercador de livros , sentia muito, inclusive pela perda de importância  de  certas técnicas aperfeiçoadas através dos séculos.  "Foi quando respondi  ao esperto:  Mas e comigo, que quis adquirir  somente livros verdadeiramente pretendidos ... ,  que não misturei  exemplar algum aos que eu de fato quero  comprar  ?  Se não havia qualquer diferenciação nos meus olhos, por que aumentar o preço de cada exemplar para 439 dólares .

"Com o senhor  ... foi o olhar. Foi o seu olhar, cavalheiro.  Assim é que, mesmo tendo percorrido somente a metade do processo , mesmo assim  o seu olhar foi como uma aurora boreal numa noite de inverno, serpenteando selvagemente por todos os 18 exemplares ...  e, pela escala de  fulgor que mantenho catalogada, tal brilho  mostrava a quase infinita vontade de o senhor obter todos os exemplares, todos eles em suas mãos ...  o que pela mesma classificação, chegava a 439 dólares por exemplar. Tenho certeza de que por este preço; mais dia, menos dia, o senhor pagará  mesmo os 439  dólares.  E comprará todos os que eu não tiver vendido . "

E Brzil arrematou entre dentes: " É o que eu tenho a dizer.Agradeço a atenção de tão ilustre plateia,  dando  por concluída a minha intervenção . "

Foi quando o presidente da mesa encerrou a audiência: " Senhores Conselheiros, ao declarar encerrada esta seção prometo ao ilustre visitante que suas solicitações - todas elas - serão levadas ao nosso Colegiado Maior, que é o tribunal competente para decidir sobre tais indagações. A Seção está terminada ."

Os ouvintes ainda estavam atônitos quando Björn B foi quase que  catapultado de sua cadeira ; mas só para abraçar o amigo: "Por que você nunca me contou do livro ? "

" Foi como ter confessado um crime ."   Respondeu Brzil .

quarta-feira, 25 de junho de 2014

O premio - 44

Brzil fez mais um balanço da situação ; que resultou , como sempre ,  tão isento quanto possível .  Um balanço  do progresso  das  diversas frentes mostrava que  ele entraria agora  num momento crítico  ,  eis que abriria  uma segunda frente de combate : Oslo ; para ele a frente levemente ocidental . Se de um lado muitas coisas iam bem - como no emprego no IFK Vernamo  ;  de outro ,  ele próprio  estava convencido de que  a  antipatia declarada por  Björn B  ao  povo brasileiro ,  em razão do derretimento da Copa Jules Rimet , era  pouco para explicar a perpetuidade da negação de premios aos intelectuais brasileiros . Fazendo agora uma análise fria da situação ,  Ildefonso concluiu que o efeito prático de tal animosidade responderia por - no máximo - cinco por cento do prejuízo  do resultado .  O que levou  o próprio Brzil  a concluir  que existiam sérias dúvidas de sua parte sobre a hipótese  de que todos os obstáculos estivessem ali dentro da Academia de Ciências da Suécia .  Mesmo assim , procurou animar-se: " Algo me diz que me breves dias terei tudo o que preciso agora : novos ares e boa sorte "


terça-feira, 24 de junho de 2014

O premio - 43

Foi de um telefone  público que  Brzil  ligou para Silvia .

"... vou à Oslo encaminhar a minha solicitação sobre o prêmio da paz ..."

"Não diga que você também vai contestar as escolhas do Prêmio Nobel da Paz ? "

" É claro que vou. Meu plano sempre foi desvendar este mistério  da negação de um premio, de qualquer dos prêmios ,  ao Brasil . "

"Se é este o teu desejo, nada posso fazer. Mas, como amiga,   aconselho que esqueça tudo isto e comece uma nova vida; talvez mesmo como técnico de futebol, aqui na Suécia. Se você ficar, estou certa de que ascenderia  logo na carreira de esportista, podendo vir a ser um administrador esportista, que é um cargo importante nos clubes esportivos daqui. É um  trabalho certo; porque  todos os países, inclusive o nosso, têm carência de pessoas que queiram dedicar-se aos jovens. Hoje, o que não falta são incentivos à quem queira se dedicar sinceramente à juventude, evitando que as crianças sigam para o lado escuro da vida. Com o trabalho que já  fez, e pelo resultado já obtido neste pouco tempo, você tem um bom futuro aqui  na Suécia. "

" Mas aqui eu sou só um estrangeiro a mais, um clandestino , um  indocumentado para o qual o trabalho legal é vedado . "

"Não é bem assim. Existem outras alternativas, caso você  queira  regularizar sua situação.  "  Disse Silvia .

"A mais legal delas é conseguir um casamento arranjado. Perdão, podem haver muitas alternativas de legalização de um imigrante irregular, só que  todas são para um futuro distante, lá na frente. Tudo porque é inexorável que a Imigração condicione o visto à uma pergunta: "O que você veio fazer na Suécia ? "  Para a qual só existe uma resposta sincera: "Vim para desmistificar, para confrontar o Prêmio Nobel !  ... ou seja, Silvia: ou eu quebro a minha jura de dizer  apenas o que for verdadeiro; ou mantenho a jura e sou deportado .  "  

Silvia mudou de assunto, ofereceu-lhe nomes e endereços  de pessoas amigas suas a quem poderia recomendar-lhe . Além disto, disse que gostaria de vê-lo antes que partisse ... " 

"Quanto às apresentações, eu agradeço muito; mas já me sinto por aqui como um peixe norueguês dentro d´água. Além disso, não seria bom que  -  na possibilidade de que alguma das polícias de Imigração  viesse a prender este  aventureiro -  encontrassem em seus bolsos nomes da alta sociedade escandinava . "

" Espero que você não esteja fazendo  ironias ; e mais ainda - se as tiver fazendo -  que elas não sejam para me ferir .  Mas  você ainda não me respondeu ... vamos nos ver antes da sua partida ? "

"  " Que eu vinha só prá te ver  Gabriela ...  "  ;   Lembra desta música ? Acho que é do festival de 1967. Nela o personagem, como eu  "vinha só prá te ver . "   E  , eu que vindo só prá te ver, como posso negar-me  à nossa despedida  ?  "

Marcaram uma reunião  , e desligaram os telefones .










segunda-feira, 23 de junho de 2014

O premio - 42

Johan Sven abriu um mapa da Suécia e Noruega na mesa do café para explicar suas ideias .

"Acho que o seu medo é descabido. Suécia e Noruega assinaram o tratado de Schengen. Alguém entrando regularmente num dos dois países, pode viajar livremente em ambos. E você entrou na Suécia sob as normas vigentes, portanto ... "

" Se entrei dentro das normas, saí delas ao ampliar  unilateralmente o meu prazo de permanência. Por isso eu estou  preocupado  com a  possibilidade  que , no check-in do aeroporto , eles  verifiquem a validade da minha permanência na Suécia .  Minha pergunta é : eles farão tal verificação no meu embarque para Oslo  ? "

" Conferir o passaporte  de um sul-americano é praxe não só aqui , mas em todos os aeroportos do mundo . Sabendo deste seu temor eu preparei um plano B . "

" Eu confiei em  que você  conseguiria uma alternativa segura  ... "

" Conversei com um caminhoneiro , dono de um Scania dos grandes .  O cara é meu amigo .  Expliquei  o caso e ele aceitou dar uma carona  ,  levar você até Oslo ,  eis que ele leva carga para lá , viajando pela E20  e  E 18  ele disse que chega em seis horas .  As vezes faz  um percurso maior , pela E45  , para economizar o pedágio .  Posso te tranquilizar que nada acontecerá na fronteira . "

" Diga-lhe que o melhor é pegarmos o caminho mais rápido. Eu  pago o pedágio . "

" Então vou confirmar a carona . "

" Bom , mas não poderei ficar lá para sempre ; já  está acertado que  farei , também com ele ,  o caminho de volta  para Estocolmo   ?  "

" Acho que isto é o de menos . Vocês vão ter longas horas de conversa . Mesmo assim eu vou deixar a volta  também combinada . "

"Bom , agora só falta acertarmos a data e horário . "

" Amanhã já terei o plano para fechar com o caminhoneiro . "  Completou Brzil .

Despediram-se .  Ficando  Brzil   aliviado  por ter conseguido um meio  tranquilo  de chegar a Oslo .

O premio . 41

" Como estás ?   Tudo bem ? "

" Comigo está tudo bem , e com você ? "  Respondeu Johan  .

" Sim , tudo vai  indo bem .  Mas tem uma coisa que está me preocupando ... "

" Eu notei , para você ligar a esta hora é porque algo não está bem ... "

" Bom , eu não quero falar por telefone sobre o  motivo da minha preocupação .  Poderemos conversar amanhã ? "

"É claro .  Onze horas ,  seria bom ? "

"Onze horas está O.K .   Até ... um abraço ;  Johan . "

" Até às  onze . Boa noite  . "

No outro dia Brzil foi direto  ao assunto :

" Como você sabe eu tenho que ir à Oslo para , também , explicar-me aos organizadores do Nobel da Paz . "

" Pelo que eu sei as passagens já  estão compradas , e o hotel reservado . "

" É o que me preocupa  !   Quando  o viajante  é brasileiro , sul-americano , eles  revistam  tudo . "

" Mas qual o risco ?  ....  pelo que eu saiba  você não levará nada de ilegal . Nada a temer, Brzil "

"  É um engano seu . O que eu levo de ilegal é eu próprio .  É que todos os meus prazos de  turistas já venceram .  Meus documentos , meu visto está  vencido há pelo menos  dois  meses . "

" Você tem razão .  O seu passaporte  será  lido pelo  computador ;  por isto , será detido . "

" Já pensei na saída .  Deve  haver algum transporte que faça o trajeto  Estocolmo  - Oslo que não passe por uma fronteira tão fiscalizada como a dos aeroportos .  É para isto que estou precisando de sua ajuda .  Você é o único que sabe que eu não represento perigo algum a quem quer que seja . "

"Já estou pensando numa saída . Mas só vou responder depois de estudar todas as alternativas . "

Brzil respirou profundamente , como que se  tranquilizando  com a esperança dada pelo amigo .

" Não , Brzil . Não tranquilize-se "   intuiu  Johan Svensson .  " Não será assim tão fácil entrar e sair de Oslo sem que a Imigração  perceba .  Mas eu vou  estudar a saída , e mais tarde te respondo .


domingo, 22 de junho de 2014

O premio - 40

Se nada podia fazer com o que passava em sua cabeça quando ele estava dormindo ; desperto , Brzil organizava-se ;  mental e fisicamente. Sim, comprometeu-se em que , quando desperto, manteria o que denominara de " neutralidade de expectativas". Sem antecipar emoções de um sucesso que ainda não viera ;  tampouco, sem assumir  atitude pessimistas  ; de que as coisas boas não chegariam jamais .

E, sempre que alcançava mentalmente uma opinião isenta de pessimismos ; concluía - cada vez mais favoravelmente a si - que muito já andara; já muito conseguira na direção de, pelo menos, vir a  algo ;  alguma evidência qualquer sobre a existência de uma influência de fora para dentro das pessoas que influenciavam no julgamento.  Algo que pelo menos tangenciasse a razão do  Brasil jamais ter ganho o Premio Nobel.  Sequer um Premio ; dentre tantas especialidades agraciadas anualmente .
Mas, sem ele saber porque, a intuição de que estava no caminho certo cada vez aumentava mais . 

Assim , sua vida era a de sempre :  conviver com amigos ;
 ( e aqui lembrou-se da dedicatória de  Johan Svensson  numa foto  que trazia Brzil com o braço estendido orientando o time ; e, perto dele Johan  Sven também com a  boca bem aberta, traduzindo para o Sueco a orientação do técnico brasileiro aos seus pupilos. A emoção veio com a dedicatória do amigo: " A voz do dono, da voz " -  Estocolmo  - Julho de 2014. Johan Sven Svensson ." )   e  confiar em que a hora da descoberta estava próxima .


sábado, 21 de junho de 2014

O premio - 39

Despertou perplexo .

No sonho, ele via a entrega do Nobel ir acontecendo normalmente até que no premio de literatura foi anunciado tão somente que o escritor vencedor era do Brasil, o que causou aquele uuuh !  que  se ouve nos auditórios quando a plateia é surpreendida. Logo depois apareceu-lhe no  sonho um busto com múltiplas faces, como no trailer da música Black and White, de Michael Jackson , em que uma figura humana aparecia, virava o rosto rapidamente para um lado; e quando tornava  a ficar de frente sua cara já era de outra pessoa. O primeiro rosto a voltar-se para o ângulo de visão de Brzil foi o de João Ubaldo Ribeiro que sorriu-lhe para, logo, tornar-se Chico Buarque, que deu a vez para Ferreira Gullar ... e Ariano Suassuna ...   Mas o mistério aprofundou-se com a aparição de uma quinta cabeça. Sim, aparecia uma quinta cara, só que completamente limpa, sem feições, assim como são algumas  "caras"  dos  manequins de vitrines  que  só  possuem o volume da cabeça, mas sem que face  exista  nele .

E  a série  de aparições  se repetia ,  sem que qualquer diferença  pudesse fazer presumir qual das faces  teria sido  a  de  quem    venceria o Nobel, se alguma relação tivera o sonho com o que viria  acontecer. E com a incógnita do rosto sem face .

Na  madorna em que estava veio a lembrança de que ele não acreditava fatos sobrenaturais.  Mas , conflitando com tal  ceticismo ,  veio a lembrança de que  - mesmo assim - acreditava que já  ocorreram sonhos que previram com exatidão fatos realmente acontecidos no futuro . Lembrou  da história de uma pessoa que teria sonhado com um acidente de avião nas Canárias , que de fato veio a acontecer .  Se  acontece para eventos tristes ; não era certo desprezar-se assim - sem mais , nem menos - os sonhos que tivera sobre boas realidades futuras .

"  Por que não ?  O Brasil vai ter um premio Nobel , sim . E se eu pudesse , faria agora uma aposta nisto ; pois ,  se a face do vencedor  não é  evidente para mim, isto é porque o próprio colegiado, apesar de já ter decidido dar o premio para um brasileiro, deve estar esperando a minha palestra para, depois dela ,  recolher as informações sobre quem tem mais méritos para ser o escolhido."

Quando acordou, mesmo, veio a preocupação de recuperar a memória que fosse possível relembrar daquilo que sonhara logo antes.  " ...  eram quatro cabeças alternando-se num só pescoço. Mas qual delas ficou mais tempo à vista, qual delas porventura teria se diferenciado das demais por um trejeito, um piscar matreiro de olho ? "

Mesmo assim , Brzil continuava conseguindo separar  o que era opinião pessoal sua  (  a de que  sua  viagem à Suécia encaminhava-se para o insucesso )  com algo muito superior à sua própria pessoa : o dever de lutar até a última bala .  A descrença que começava roer sua alma deveria manter-se dentro dos limites da subjetividade .   Ele próprio sabia  que  nada daquilo que a liberdade de pensar permitia-lhe  poderia influenciar  o plano  geral ,  e menos ainda  as múltiplas  tarefas  necessárias  para  a   sua realização .

O premio - 37

"Com uma vitória simples o IFK é o vencedor  do Campeonato de Futebol Juvenil da Suécia."   Pensou  Brzil .  " Mas o empate beneficiaria o adversário.".  Arrematou.   

Os assentos em torno do campo de futebol estavam repletos de amigos, parentes dos meninos, e - por que não ? -  torcedores que vieram ao pequeno estádio para assistirem a final do Campeonato Juvenil da Suécia. O clima estava ajudando: sol aberto no céu  com termômetros marcando 18 graus. Brzil ouviu um grupo de  pessoas falando em russo. Pensou que poderiam ser turistas, ou mesmo imigrantes russos; talvez parentes de algum jogador  de origem russa, vindos - talvez - de São Petersburgo para ver as qualidades futebolísticas do seu conhecido ?  Tudo era possível .   No mastro as bandeiras dos clubes tremulando  ao vento.  Entre elas, a da Suécia. Além delas, o azul e amarelo se multiplicava.

Brzil estava radiante. Quem sabe conseguiria ali uma vitória ?   Quão importante para ele seria uma vitória, alguma vitória naquele momento! Qualquer uma já seria o sinal da quebra da  má sorte. Se fosse assim, ela viria como um sinal de que a Academia, ou mesmo o Instituto de Oslo, aceitariam os seus argumentos. Reconheceriam - ainda que sem explicações maiores-  que algo de anormal aconteceu para que o Brasil fosse  esquecido por tanto tempo. Se isso acontecesse ele voltaria para dizer ao povo brasileiro que seus filhos não eram os cretinos que queriam que eles fossem, eis que fora a própria Academia - no caso da reconsideração vir de um Premio Nobel por ela escolhido  -  ou mesmo o Instituto Norueguês que tinha declarado a ele:  " Idelfonso Alencar -   o seu Brasil fizera jus a um;  ou mais premios ! " 

" E que , pelo menos em razão de um  ou mais  equívocos ,  só não tínhamos um Premio Nobel  por  tais  e  tais  motivos ." 

E agora  , nem que fosse para um único conterrâneo - mas poderiam ser muitos -  tinham  resgatado  a honra do povo brasileiro .

Sim , ele não necessitava de uma plateia imensa .  Um grupo de pessoas a testemunhar seria o suficiente  para o resgate da inteligência nacional .

A partida recomeçou, despertando-o do transe. O empate  permanecia ; era evidente que tinha que mexer no time. E naquele exato momento !   Foi o que fez .

Substituiu o lateral direito Peter, que estava jogando fora da posição,  demasiadamente recuado,  fazendo entrar Santiago  - um jovem armador filho de imigrantes  bolivianos, para jogar na lateral direita, ao mesmo tempo que  mandou Lars  entrar pelo meio. Sven gritou a ordem para Lars:   "Deixa a ponta e cai pelo meio !!  "

" Com isto ele vai puxar os dois  marcadores  que  não o largam " pensou . E deixar  aquela região  livre . "

Não deu outra: o lado direito ficou desguarnecido, e por ali  Santiago infiltrou-se, marcando um a zero para o IFK .

"Parece que ela voltou !" pensou Brzil. É claro que "ela" era a  sorte. A possibilidade de as coisas estarem começando a melhorar."

Pelo singelo relógio fixado no alto do mastro , faltava só dois minutos para o jogo terminar . Lembrou que ouvira de alguém que , se o IFK  ganhasse o campeonato , ele ganharia 60.000 coroas de premiação . Não que aquilo fosse o mais importante ( Brzil sempre relegava  a questão econômica para um segundo plano )  , que a vitória maior seria ver a alegria dos seus meninos ; mas  daria uma folga no orçamento ,  e um descanso para a cabeça .

No último minuto Lars foi lançado , driblou seu marcador e colocou  a bola no canto direito, rente a trave,  tirando dela um pouco da tinta . Brzil não se conteve , deu um salto o mais alto que sua idade permitia .  Quando voltou à terra seus olhos marejavam .  " Há quanto tempo você  não me sorria ? ! "  Disse para a sua sorte. 

 E o jogo acabou assim : IFK Varnamo venceu de 2   x  0 ,  na mais bela campanha da história do futebol infanto/juvenil do Clube .

Brzil dirigiu-se até onde estava o técnico adversário e apertou-lhe a mão , chegando a abraça-lo .  Desejou-lhe boa sorte , sendo parabenizado pelo colega derrotado .

Foi impossível deixar de fazer mentalmente os cálculos :
60.000 coroas suecas !  Com 6,30  coroas por dólar ...  já podia contar com 6.500 dólares no bolso .

" Descansarei um pouco dos kebabs "   . Pensou .

O premio - 38

Era voz corrente na Academia de Ciências da Suécia que o brasileiro tinha um pé na canoa da realidade - representada pela boa atuação como técnico do juvenil do IFK Varnamo - mas o outro pé estava na canoa de um plano maluco: contestar frontalmente a Academia de Ciências da Suécia. Complicando, ainda mais, havia o fato de Brzil estar ilegal na Suécia; e, assim mesmo, não admitir  que pedisse ajuda anormal a quem poderia - talvez -  "resolver"  o problema. Uma das piores consequências disso era não poder dispor de um cartão de crédito. Mais do que ninguém Björn sabia que nesta época é  impossível viver sem aquele retângulo de plástico no bolso. Mas por admirar a determinação do brasileiro,  Björn B admirava-o.   E , por isso , queria aplainar seu  caminho, limar as arestas que pudessem revelar-lhe abruptamente o auto-engano em que  Bjorn  achava que  Brzil vivia. Foi por isto que Björn não revelou a verdade sobre  quem pagaria as suas despesas a serem feitas em Oslo, levando-lhe a crer que seria a Academia Sueca de Ciências; mas, na verdade, o próprio Björn B é quem as pagaria . 

Foi por querer que Brizl desse continuidade ao seu exótico plano   que Björn  concordou em encaminhar o brasileiro à sua amiga Kari Kristiansen, que trabalhava no The Norwegian Nobel Institute. Num longo telefonema explicou-lhe tudo o que acontecia. Disse-lhe que, apesar da excentricidade explicitada na tese de Brzil; assim mesmo ele conseguira que conselheiros da Academia de Ciências  pelo menos ouvissem suas reclamações. Mas, deixou claro à norueguesa, que isto não deveria obriga-la a tolerar o brasileiro  além do que poderia ser aceitável de uma reclamação feita por um cidadão norueguês. Que bastaria que ela percorresse o caminho lógico, ainda que - se possível  -  dentro da realidade possível para a percepção do brasileiro; talvez com palavras de quem trata com uma pessoa sem  a objetividade própria dos nórdicos. E, talvez, imprópria aos sul-americanos. Para ser claro,   Björn B  concordava com muitos :  ... " ele o Don Quixote  do século vinte e um".

A própria Kari foi quem fez a reserva do hotel, o escolhido foi o Smarthotel, na Saint Olavs gate 26. Björn comprou a passagem aérea e mandou entregá-la para  Brzil , mas sem que este soubesse a origem pagadora, naturalmente. Viajaria no dia 30 de Julho. E chamou Johan Svensson para perguntar quanto tinha sido o prêmio pago pelo IFK Varnamo.  O rapaz respondeu que ampliaram a quantia para  60.000 coroas em reconhecimento ao esforço do brasileiro. Na verdade, pela promessa ela seria umas 58.000 coroas.  

" Mas eles já entregaram o dinheiro ? "  Perguntou o  Björn .

" Sim , ele já recebeu . " 

"Que bom. Brzil terá no bolso as suas 60.000 coroas, ganhas   pelos seus mérito , para algum passeio que queira  fazer  em Oslo ... "

" Perdoe-me, Dr. Björn. Sou obrigado a informá-lo que Brzil  ofereceu-me dez por cento do seu premio como recompensa pela  ajuda que lhe prestei ... "

"Mas você já recebia um salário do clube; estou certo ?  E mesmo assim aceitou participar no dinheiro dele ?  "

" Não tive como recusar. A insistência foi grande. Ao final, eu não quis ofende-lo. "

Björn sacudiu a cabeça, em sinal de desaprovação  do que ouvia, e despediu-se de Johan Svensson .



quinta-feira, 19 de junho de 2014

O premio - 36

Björn chamou-o de novo à Academia . Dessa vez num horário incomum: às nove horas da manhã .

"- Assim como no tênis, "  Björn sorriu levemente ao começar a dizer esta frase  "...  as personalidades que vêm à Academia defender suas ideias têm direito de, antes do combate, reconhecer o campo da luta. Este é o local em que você, Ildefonso,  usará  seus argumentos  ... "

" Doutor  Björn B ... "

Björn adiantou a mão aberta em direção à face de Brzil ...  "Não ; agora não sou doutor. Sou seu amigo, Ildefonso. Aquele que aprendeu  com suas quase intermináveis explicações, plenas de   meandros, pelo menos  para um sueco como eu;  foi que entendi  qual era o sentimento que ainda nutria por minha tia Ingrid B "

"Se é assim, se eu fui o instrumento para, de alguma forma, clarear a sua vida, eu saúdo a nossa nova amizade . "  

Brzil sentiu que deveria quebrar aquele clima de quase confissão católica vinda do sueco: "  Björn ...  confesso que neste momento minha atenção voltou-se para  algo que chega a ser pueril. Tudo por eu ser um observador atento aos relógios que as pessoas usam no pulso. Percebi, em antigas fotos, que Che Guevara  usava um Rolex. Já Bin Laden sempre trazia um Casio de plástico preto . Mas vejo agora que você dispensou o magnífico Pathek Philippe que reluzia em seu pulso , substituído que foi por este de agora, que deve custar uns quarenta dólares, se  tanto ... "

"Li os documentos que você trouxe à Academia. Todos eles, de uma forma ou de outra, ajudaram-me a diferenciar o que de fato seja importante. Um relógio só deve ter importância pela possibilidade de nos mostrar  as horas com alguma exatidão. No final, um Pathek de cem mil euros, e um destes que trago agora,  conseguem o mesmo resultado: medem igualmente o tempo. "

" Concordo com você ,  e  isto me dá a esperança de conseguir  da Academia  a mesma  compreensão . "

"Brzil ( confesso que  não conseguirei chamá-lo pelo seu verdadeiro nome , que eu sei que é Ildefonso  )
é sobre isto que eu quero falar-lhe.  Meu aviso é para que você  largue suas  esperanças  sobre  a possibilidade de  acontecer  um milagre. Um milagre que - de uma forma ou outra - leve a Academia a explicar-se ;  muito menos , a desculpar-se .  Muitas  críticas  foram  levantadas ao longo desses cem anos de concessão dos premios . Mas  nosso norte ,  a permanente interpretação sobre a justeza de nossas escolhas é , obviamente ,  de que somos uma instituição  privada , uma  fundação .  Veja que  não chega a ser lógico que de  um processo em que só existe uma vontade como determinante ( sim , porque a escolha e outorga do premio é um ato eminentemente unilateral )   surja   uma  reclamação  tecnicamente possível  , um  ato   positivo  a  ser  logicamente contestado ;  isto porque quaisquer  fatos que emerjam  desta Casa jamais  chegarão  a consistir um direito , ainda que subjetivamente possam ser tachados de injustos . "

" Agradeço por seus conselhos, principalmente porque  não estava  obrigado a prestá-los. Só isto já é  comovente ;  mas se queres uma resposta , eu te digo que elas não mudam em nada a minha determinação . "

"Disto estou certo. Mas  desde já aviso: de nada valerão as suas intervenções. Você será ouvido, até mesmo solenemente, por diversos senhores embecados que, ao final, prometerão uma resposta formal. Uma semana depois receberá uma carta com palavras que tenderão ao desconexo. E tudo terminará assim . "

Antes de responder,  no lapso de tempo em que seu  cérebro  organizava a resposta, Brzil lembrou que Björn dera ao final de sua fala a piscadela com o olho esquerdo, só que desta vez ela foi mais rápida do que antes. Também deu tempo para lembrar que, pelas suas análises anteriores, Björn só piscava daquele jeito quando aquilo que falava era - no fundo - algo favorável ao seu interlocutor. Mas tudo aquilo poderia ser, ou era mesmo, uma conjectura  idiota da sua parte, pensou Brzil.

" Quanto a isto,  Björn, eu diria que o futuro a Deus pertence .
A propósito, eu gostaria que o amigo me contasse como é feita a escolha do premio ? "

"Bom, milhares de pessoas são convidadas através de cartas para  darem sugestões dos nomes que acreditam merecer o premio. As cartas são mandadas no mês de setembro, que servirão para a escolha da premiação do ano seguinte. Daí vem a lista dos indicados. Depois, entra-se numa espécie de cidadela de muros  muito altos, que pretendem livrar quaisquer influências que possam interferir no julgamento. Em fevereiro encerra-se a fase de coleta de nomeações. O resultado deste filtro é uma lista finalizada. Daí vai sair o escolhido. No mês de agosto os conselheiros permanentes promovem mais uma análise dos pré-selecionados, para em outubro levarem uma relação para o escrutínio do Comitê do Nobel. Logo depois o eleito é apregoado. Já em dezembro acontece a cerimônia de entrega do premio. "

"Agradeço pela aula, Dr. Björn B . "



  

terça-feira, 17 de junho de 2014

O premio - 35

A chegada ao hotel era sempre tensa. Parava primeiro a uns cinquenta metros da porta do Bakfickan e, encostado na parede, dava uma olhada geral. Depois parava a cerca de vinte metros para uma nova olhada, sempre em busca de que alguém da Imigração estivesse por ali, de campana. O motivo das paradas era evidente: se desconfiasse de algo, desapareceria. Dessa vez não foi preciso. Quando chegou à porta de entrada, mas ainda com o corpo do lado de fora do edifício, deu uma mirada geral no lobby do hotel. Até ali, tudo bem; entrou sem que nada de anormal tivesse acontecido . 

Seu medo seria exagerado  ?  " Em verdade , não ! " 
Ele sabia que aquele quase auto-terrorismo  acontecia com os cucarachas, nos Estados Unidos ; com os worms  pelo Reino Unido afora; enfim, em cada país um título mais depreciativo. Ainda que no caso dele se tratasse de uma especialidade, porque a sua intenção não era a de vir ganhar dinheiro trabalhando na Suécia .
A possibilidade dele tirar emprego de um sueco era nenhuma. O que queria é "descobrir", no mais amplo sentido do termo os muito segredos do Nobel.  Mesmo assim, tinha suficiente juízo para saber que Imigração nenhuma, dentre todas elas, haveria de distinguir um viajante do outro .     

Foi quando o telefone tocou  justamente quando ia  para o banheiro.  Nunca alguém tinha-lhe chamado ao telefone do hotel , desde que viera para o Bakfickan.  E isto não era bom.

" Alô ! , o que é ? "

" Mr. Brzil, aqui embaixo tem um senhor que deseja falar-lhe ... "

"  De que se trata ? "

" Ele diz que sua visita refere-se às talares ... "

O nome "Talares" não chegava a ser estranho para Brzil. Deveria ser um lugar com denominação sueca ? " - passou a dar voltas ao próprio  cérebro, como num acelerador de partículas ...  "  Talares , meu Deus ... o que é isto ? ...  logo agora que tudo  ia tão bem  .... sim, Talares deve ser o nome do local, da prisão para onde levam os que são apreendidos pela Imigração. Não, certamente não seria bem uma prisão ; lembrou . É que os ali detidos não chegavam a ser acusados de um delito, de um crime propriamente dito. Na Austrália também era  assim.  " Bateram à porta do quartinho no Kings Cross e levaram-me a força. Sem algemas, mas a força, para a Villa Wood. Sim, Talares é a Villa Wood daqui !   Menos mal que não chegaram a  incluir o meu nome  na lista negra de pessoas devolvidas compulsoriamente a seus países  . "

Se na Austrália aquela  experiência foi válida ,  em razão dele ainda estar na casa dos vinte ;  na Suécia era diferente. Aqui, ele tinha uma missão determinada que, concluída, faria com que ele voltasse para o Brasil;  só que, pelos sentimentos de agora, não era mais sensível um vínculo firme com o país onde nascera; porque quem assume uma causa perde as raízes em nome de um sucesso incerto .  O marchar por uma indicação, um dedo apontado para um lugar que não se sabe onde vai dar.  Lembrou de Antônio Machado " Caminhante , os caminhos não existem , os caminhos se fazem ao caminhar. "  Era assim que estava se sentido .  Certamente seguindo para um caminho novo , e sem retorno possível . 

"Talares ... o que vem a ser  talares ... ?   Eu não sei do  que este senhor está falando ..."    Pensou Brzil .  " Mas desconfio  que  coisa boa não é ".  Continuou o brasileiro .

" Ele disse agora que  é um alfaiate ; que veio tirar as medidas das vestes talares . As sua medidas para as vestes talares ,  Sr.  Alencar ! " Respondeu o porteiro . 

" Mas Sr. Nielsen , pergunte-lhe o que vêm a ser as tais vestes talares .  Eu desconheço qualquer necessidade de que eu precise de alguma vestimenta  especial  . Muito menos das  "vestes talares"  oferecidas por tal senhor . "

" Senhor ,  fique tranquilo .  Mesmo assim pergunto-lhe : não seria melhor que o senhor descesse até aqui para  falar  com ele   pessoalmente  ...? "

Saiu do elevador e viu o homem que o esperava. Estava certo de que iria encontrar de novo o Humphrey  Bogart, mas enganou-se .  Era um senhor com calças e colete cinzas que usava  uma almofadinha encimando uma pulseira de metal no pulso, à qual estavam espetados diversos alfinetes. Era baixinho para a altura  média dos suecos;  calvo em cima da cabeça , mas com cabelos  na  altura das têmporas, com óculos de armação inglesa, dourada .

"Senhor, venho a pedido do Dr. Björn B . Eu sou o alfaiate dele , e também faço as vestes talares de muitas pessoas que vão fazer sustentação oral  na Academia de Ciências: defender as suas teses  em  plenário. O Dr. Björn  pediu que lhe avisasse que os custos de tal encomenda serão assumidos pela Academia . Que o senhor não  se preocupasse com essa parte ; mas que,  sem as vestes talares o senhor não será recebido pela Comissão  . "

Brzil escorou-se na guarda da lareira  e  - mesmo com diversas pessoas a olhar-lhe -  respirou tão profundamente quanto foi  possível respirar naquelas circunstâncias  ...

" Tudo bem , vamos subir para a tomada das  minhas  medidas ... "

 



segunda-feira, 16 de junho de 2014

O premio - 33

Björn chamou o brasileiro à Academia de Ciências para informá-lo das datas em que ele teria que explicar as obras de cada um dos autores afirmados por ele como indevidamente esquecidos pelas premiações do Nobel .

"Confirmo, Sr. Brzil, que a Academia sentiu-se particularmente atingida pela sua desconfiança de que o nosso júri não seja absolutamente justo, totalmente isento; infenso, mesmo, às pressões  indevidas. Embora esta não seja a primeira vez  que  recebemos contestações, esta é a mais direta, a mais bem fundamentada e, por isto, mais desafiadora para nós. Diante dessa acusação, decidiu-se pela admissibilidade de sua defesa, principalmente porque foram analisadas uma a uma das obras, dos nomes trazidos por você,  constatando-se que essas personalidades  estiveram mesmo niveladas em importância às que foram premiadas com o Nobel. Diante de tais argumentos foi criada uma comissão que aceitará  ouvir a defesa preparada pelo senhor.
A sessão começará às nove horas, da terça feira,  dois de setembro;  devendo ser concentrada numa única oportunidade. Conforme seu aviso,  em Economia o senhor defenderá a tese de que o prêmio deveria ter ido para o grupo de economistas que resolveram o problema da inflação brasileira. Além destes avisos , peço-lhe que guarde sigilo sobre o que acontecer na oportunidade ."

" Dr. Björn B, só o fato de que serei recebido  por tal comissão nomeada pela Academia de Ciências  já é um alento para quem chegou à Suécia há  seis meses, tendo na mala só a esperança de  chegar a debater; além da a certeza interior de que  a Suécia, e seus cidadãos, amam - antes de tudo - a Justiça. E, certamente, tudo farão para recompor o equilíbrio de suas balanças . "

Apertaram-se as mãos e Brzil dirigiu-se à porta de saída quando foi novamente abordado por Björn :

" Brzil ... aprovamos também o patrocínio de sua viagem à Oslo. Bastará que você nos informe a data que pretende ir, que faremos as reservas necessárias . "

"Agradeço muito, Dr. Björn.  Apesar de ter dinheiro para meu projeto em Oslo, mesmo assim , eu aceito o seu patrocínio, também por perceber que a Academia de Ciências da Suécia  faz esta oferta de coração aberto. Aceito sim, Dr. Björn B ! "











O premio - 32

Lars, dentre todos os jovens do time treinado por Brzil, era o que tinha mais qualidades futebolísticas. Ele era aquele menino com as feições mais distanciadas dos padrões escandinavos. Sutilmente, Brzil foi aumentando as conversas com o rapaz.  Até que um dia , disse-lhe: " Lars, eu gostaria de conhecer seu pai. Conversar com ele, contar o quanto eu prezo você, pelos belos gols  que tem nos brindado . "

Não demorou muito para que Erik, o pai de Lars, viesse ao centro de treinamento do IFK .

"Senhor Erik , desde já peço desculpas por fazer-lhe estas perguntas que tenho dentro de mim .  É que no ano de 1958 a seleção brasileira foi campeã do mundo aqui em seu país, tendo na ponta direita  Garrincha um dos seus maiores expoentes .  Pois bem , eu vejo no futebol de Lars  muitas semelhanças com o maior ponta direita que o mundo já viu jogar  ... "

"Professor  Brzil , eu já sei onde você quer chegar ... "    respondeu Erik com um sorriso nos lábios ; sinal de que não ficara magoado com a pergunta ...   . "  Saiba, senhor professor , que é  isto mesmo que você está pensando. Sim, eu sou filho do Garrincha, e muito me orgulho disto . Trago na minha perna esquerda o sinal da minha estirpe: sou mesmo filho do astro brasileiro e, por conseguinte, Lars é seu neto, e muito me comove o fato de o senhor ter descoberto em meu filho  qualidades de seu genial avô . "

" Dizemos em meu país que aqueles três minutos, em 1958 ; com o seu pai na ponta direita do Brasil, vitimaram mais russos do que todas as guerras enfrentadas pela Russia ;  juntas . "

Erik abriu um sorriso e abraçou  Bzril, um hábito que não é comum na Suécia . Com isso , talvez tenha querido afirmar que também se sentia um pouco brasileiro .

"Senhor Erik, a partida final do campeonato juvenil será no próximo domingo. Gostaria de  ter o senhor a incentivar-nos.

" Conte comigo,  Sr.  Brzil .   "

domingo, 15 de junho de 2014

O premio - 31

Quando Brzil abandonou o Santa Fé saiu do prédio de costas. Andando para trás mesmo. Essa técnica ele aprendeu com as histórias de Lampião, o Rei do Cangaço, facínora que aterrorizou o nordeste brasileiro no início do século vinte. Quando fugia das volantes, Lampião vestia as  alpercatas voltadas para trás; invertendo-as nos pés; para que, quem fosse seguir o rastro de suas pisadas, entendesse erradamente o sentido para o qual Lampião de fato se dirigia. Ildefonso pensou: "se saio aos poucos, e de costas; quem porventura estiver me vendo vai interpretar como se eu estivesse entrando no Santa Fé. E se eu  notar qualquer estranhamento, bastará inverter a direção dos meus  passos - tornando a caminhar para dentro do Edifício - para que o intruso conclua que eu estou levando a mala para dentro do edifício. "

Este era o nível do medo de Brzil. Quase paralisado pela possibilidade de que a Imigração sueca pudesse arrestá-lo antes que seu objetivo  desse certo. Tudo porque  , por enquanto ,  o plano ainda estava cru .

Sem que fosse visto , Brzil saiu calmamente do Santa Fé .

Pesquisara dois hotéis ; o Hellsten , que ficava no número 68 da Luntmakargatan Vasastan  era pequeno e tinha uma lanchonete bem próxima ,  e  o outro era o Bakfickan, na Râdmansgatan 69  , que era próximo da casa de Silvia. Escolheu o Bakfickan .


quinta-feira, 12 de junho de 2014

O premio - 30

Diferente do que nas vezes anteriores, Björn B vestia suíte completa. Roupas negras, a contrastar com sua muito alva cabeleira. Mais formal do que nunca, apertou a mão de Brzil.

"Senhor Ildefonso de Alencar, peço-lhe que me entregue o material que contém expressamente a fundamentação da sua tese. Caso seja nele  encontrado o nexo afirmado, o senhor será convocado para sustentar a sua proposição perante a banca que - se for assim - será nomeada para ouvi-lo. "

Brzil, que ao contrário de Björn vestia-se com grande simplicidade, entregou a mala de documentos com uma carta de apresentação, tudo redigido em Sueco.

Björn correu os olhos identificando o idioma. "Não seria necessário que os textos viessem em Sueco. Bastaria-nos em Inglês. Mesmo assim,  agradeço o seu esforço em fazê-lo em nosso idioma."

" Mandei traduzir assim, porque existem foros em que é exigido o idioma pátrio. Na dúvida ..."

"Aviso-lhe de que a Academia Sueca de Ciências entende a presente entrega como um ato oficial de representação. Agora peço que o senhor, em breves palavras, decline os nomes de quem entende como preterido . "

"Ainda na especialidade literatura ;  procurei demonstrar que a obra do poeta João Cabral de Melo Neto, poeta já  falecido, foi mais relevante do que quase todos os poetas premiados por esta Academia Sueca.
Jorge Amado foi outro belíssimo escritor; ele   retratou como ninguém as populações carentes da Bahia; sem, contudo, deixar escapar o espírito brejeiro da nacionalidade, tão bem retratado em Dona Flor e seus dois maridos, obra que encantou o mundo, também em sua versão cinematográfica. Embora a Academia tivesse  premiado com o Nobel tantos autores com temas nacionais, correlatos mesmo aos de Jorge Amado;  inexplicavelmente Amado foi sempre esquecido pela Academia Sueca. A dúvida está em que somente ele - em sua estatura - foi olvidado. "

E Érico Veríssimo ?  O que contou em "O tempo e o vento " a saga da ocupação do sul do Brasil" ?  Por que a Academia olvidou-se dele por anos a fio mesmo também sendo um brasileiro  a merecer o prêmio maior da literatura mundial  ?   

Também a obra do poeta, compositor musical inexcedível, e dos maiores escritores; a obra de Francisco Buarque de Hollanda não é somente importante para os brasileiros,  ainda  que este pormenor, de ser - ou não - uma criação tida como universal, de há muito consista em matéria muito bem balanceada pelos juízes do Nobel. Só que para os  brasileiros tal entendimento nunca valeu .

E Ariano Suassuna , do Auto da Compadecida ;  porque foi Ariano  olvidado , se dispunha - também mais do que quem quer que fosse - dos predicados para ser escolhido ? Por que não foi ?

Também Ferreira Gullar, poeta e escritor, com  obra poética sensível e exemplar sempre esteve nivelado aos melhores do mundo. Seu reconhecimento pela premiação maior  dignificaria a poesia e o Brasil. Mas ele nunca foi  escolhido .

João Ubaldo Ribeiro é outro formidável escritor, com obra também voltada às realidades existenciais do povo brasileiro. Suas singularidades e méritos de nossa unidade territorial. Ele também merece, e muito ,  a premiação . Mas , também nunca foi lembrado .

Para o Nobel da Paz era óbvia a obra de Dona Zilda Arns. Mas tivemos outros nomes do mesmo porte dessa Humanista que se foi credora do  reconhecimento escandinavo . Sem que se possa tecer comparações com os demais escolhidos; é absolutamente certo que ela, no exemplo, na dedicação e no amor ao próximo não foi menor do que qualquer um deles. Quem apequenou-se ao ignorar Dona Zilda  foi o próprio Instituto Norueguês para a escolha do Nobel da Paz ." 

"Amigo Brzil, vejo que você antecipou para mim a defesa que fará à Comissão. Mesmo assim, observo que eu nada posso prometer. E, para ser sincero, vejo como impossível - por ser impróprio à nossa Instituição - qualquer tipo de retratação por eventuais - digamos - esquecimentos. Confirmo que, quanto ao prêmio da Paz, ele só pode ser analisado em Oslo."

"Fui avisado , desde o início do campeonato, de  que ,  se o IFK chegasse pelo menos entre os dois primeiros colocados , eu ganharia um bônus . Meu plano é usar essa reserva para ir à Oslo ;  eis que já estamos na final."

"Espero que nessas finais seu time conquiste o primeiro lugar.  Mas, por fim, pergunto: qual é a sua pretensão, o seu pedido em tudo isto, Senhor  Ildefonso de Alencar ?", concluiu Björn.

"Eu estarei pacificado quando souber os   motivos  pelos quais a Academia de Ciências da Suécia sempre ignorou os brasileiros."  respondeu Brzil .

"Tudo farei para tranquilizar seu espírito, amigo Brzil."  Foi como  se despediram .

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