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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Julietinha e o oficial do vapor - 14

Pouco a pouco a cabeça de Pedro ia se dividindo .  Agora já existiam nela pelo menos quatro pensamentos  quase independentes ; mas  ao mesmo tempo  . Um só pensava  em Julietinha . O  segundo estava nas tantas contas que teria que pagar mesmo sem ter dinheiro .  O terceiro voltava-se para o trabalho no  Correio do Norte , nas matérias que tinha que  entregar para a linotipia quase que diariamente . E o  quarto... o quarto estava em Francisco Rosa , o Chico Rosa . Como , Deus ?   Como ele  retirou dali , daquela mala velha o mais  belo  dos seus versos ,  com métrica , ritmo  , rima , tudo perfeito  ?   Mas , pouco a pouco  ia se convencendo de que  fora o Jurandir . Aquele baiano sem dinheiro para pagar  hotel ,  que ele abrigara ; sim  o Dida era o olheiro do Chico ... ,  devia até  ter  carteira profissional assinada pelo Chico .
E os olheiros poderiam ser muitos ,  batendo Brasil afora .  E ele, Pedro , sempre com a   boa-fé  dos  Fagundes,  herdara de  Bandido ,  uma das melhores pessoas daquelas plagas .  ... ele , próprio  abriu as portas de seu quarto para o judas .  Agora ,  naquele sufoco todo , mas  sem participar  em um cruzeiro sequer dos lucros que o melhor de sua poesia  proporcionava ao  Chico Rosa .

E  tudo acontecia-lhe  sem ter  um amigo com quem pudesse dividir  a perda daquele  roubo de parte de sua  obra.

Apesar de ter chegado a essa certeza  ;  a de que o ladrão era o Dida ,   um tormento resistia em seu cérebro pleno de racionalidade  :   e a poeira ?   Sim !!   e a poeira   ? !       .. porque  a poeria  em cima da mala era a  mesma ,   a  acumulada  por dez anos  naquela tampa de mala,  de cantos arredondados  encabeçados por uma biqueira de metal enferrujado .... como Dida pode tirar  o caderno ,  devolvendo-o depois  à  mala ,  sem que a poeria de dez anos ficasse sequer marcada na  tampa  ?  Como ??   Bradava Pedro consigo mesmo  ....

Ele queria muito  que daqui para frente isto se reduzisse a uma questão menor em sua vida ...  só que  - apesar  disto -   o horror  voltava sempre à sua cabeça de  cientista das letras ;  .... como  aquilo  poderia  agora ter-se tornado  aquele   monstro dentro da  sua cabeça  ?  

Mas ,  se o pó acumulado  chegasse  a ser   além de alguma evidência , uma  certeza de que nem mesmo o baiano  cometera o furto , aí  tudo poderia enveredar para possibilidades ainda mais sombrias do que a alternativa Dida .

Tanto pensou  ,ora silencioso , ora aos gritos ,  que acabou por dormir .  No sonho parece que chegou a um acordo consigo mesmo .... fora  Dida  quem  levou  o caderno  de  poesias para Chico . E ponto final .

Na  manhã seguinte  outras  fontes de preocupações começaram a diminuir  .  Não é que o Paulo , sim o Paulo , o  irmão da Julietinha ,  amigo que tanto estimara  viera-lhe visitar como nunca  antes fizera , preocupado  com suas aperturas  .  Pegou-lhe do ante-braço , como fazem os daquelas paragens .... "Pedro , te abre ... o que está acontecendo contigo , vivente .....?     Me disseram que tu fostes despejado  da casa que alugavas .... diz Pedro ... o que estás precisando ....?  "

Pedro  confirmou  que estava necessitado  , mas  não sem antes  reafirmar  a velha amizade dos dois ,   só interrompida  pela indiferença do amigo.

" Paulo , como  tu  bem sabes  , agora  as rádios roubam mais e mais anúncios do Correio ... por isto ,  o   Ernesto não tem culpa por  vir  diminuindo  o meu salário .....  é que os anúncios são cada vez menos .... e  foi por isto  que eu fui me apertando cada vez mais e mais ... "

"Bom , mas quanto tu estás necessitando agora ... ? "

"Não fiz as contas , mas com uns  cento e cinquenta contos acho que daria para eu pagar   , botar os  atrasados em dia  ,  dar uma caução numas peças ,   me mudar para lá  , comprar  alguma roupa  que o inverno está aí  ,  tocar o barco ...."

"Mas será que com cento e vinte , ainda que apertando um pouquinho  mais ,  tu não botas a vida nos trilhos ..?"

"Bom , eu  acho que com isto eu poderia pelo menos  comprar   o   mais essencial ,   e  ir  levando .... "

Paulo puxou  uma bolada de notas do bolso , virou as costas para o amigo  ao mesmo tempo que separava  120 contos  entregando-os a Pedro.      " -  Te cuida  tchê  e   fica tranquilo que isto  é para ti  e  dado de coração . Ninguém , além de  nós dois ,  deve ficar sabendo .  "     Pedro abriu-se  e deu um abraço apertado .... " Paulo , mais , muito mais do que este dinheiro  com que tu me socorres  , o que me mais me alegra  é ter você de volta ,  reviver a nossa amizade em toda a sua  intensidade ...  "

Deram as costas indo   cada um  para o seu lado .


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